No caminho da minha casa até a escola, na rua de acesso à igreja de São Lázaro, existe uma árvore na qual mora uma mulher. É uma árvore grande, bem copada, e que está plantada dentro de um canteiro edificado no meio da rua, circundado por uma cerca metálica. Há nele uma mureta em alvenaria, como um vaso gigante no qual existe esta grande árvore. Numa das pontas deste canteiro oval existe um portão na cerca, de acesso para o contato direto com a árvore, resultando esta entrada uma espécie de pequena varanda. Ali reside uma mulher que encontrou proteção e adaptou-se ao espaço da árvore. Acompanho ela desde abril de 2008, e quando passo cedo ela ainda dorme na varandinha, enrolada em panos sobre um colchão. Meio dia eu retorno e a vejo sentada na mureta com um olhar fixo e introspectivo, o colchão apoiado na grade, panos pendurados e cara de poucos amigos - por isso nunca falei com ela. Ao final da tarde ela nunca está lá, somente os seus vestígios a espera. Duas vezes este quadro esteve diferente e me chamou a atenção. Na primeira delas havia um homem no seu colchão. Eram nove horas da manhã, ele deitado alegre com um ar senhorio, e ela em atividade: fogo aceso esquentando algo, ela de pé varrendo a pequena varanda, dando conta da limpeza e arrumação, em funções caseiras, lenço na cabeça, vestindo saia, conversando... sorridente! Da outra vez a diferença também era a presença de um homem, mas estavam silenciosos e carrancudos, ela impassível sentada ao lado, aguardando alguma coisa.
A ocupação deste espaço pela mulher é algo diferente das outras nas quais as pessoas dormem no espaço público e a árvore proporciona a ela diferenciais de conforto e segurança. Sombra, abrigo do vento e da chuva curta, distanciamento da rua, além dos sistemas construídos - mureta e gradil - gerando espaços e aproveitamentos. Outra diferença são os tempos, pois há uma estabilidade nesta ocupação que permite a ela um esteio cuja perenidade está ligada ao movimento do clima, o acender do fogo no frio e o retirar-se na estação mais chuvosa. Há o tempo da árvore, anterior a tudo mais que ali está hoje - rua, casas, carros, pessoas, bichos - detentora de uma estabilidade própria que afirma sua condição particular, cercada e edificada, bem diferente de muitas outras árvores urbanas em espaços públicos de Salvador.
A presença dos homens, sobretudo o segundo carrancudo, pode ser o sintoma de uma das vulnerabilidades daquela mulher, entre muitas que deve enfrentar na rua, mas existe uma territorialidade configurada pela árvore, cujas qualidades de pré-existência e permanência são constituintes de algumas estabilidades diretamente transmitidas para mulher e todos que tenham contato com ela e a árvore, que são seus vizinhos: trabalhadores do entorno, moradores, passantes, depositantes de oferendas, motoristas, guardadores de carros, vigias da guarita da UFBA, além dos insetos, pássaros e outros animais da região.
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